UM POUCO DA HISTÓRIA  
DE UMA REVISTA LITERÁRIA 
 
Em 1972, o Brasil estava sufocado por uma ditadura militar que eliminava seus opositores com a morte ou o exílio. Eram tempos de Transamazônica e outras obras faraônicas e inúteis, censura à imprensa e tortura nas prisões políticas, sempre abarrotadas. O futebol brasileiro se sagrara tri-campeão mundial dois anos antes, inaugurando as transmissões de televisão a cores via satélite, e maquiando com o heroísmo dos jogadores o cenário de violência. Sob a presidência do general Emílio Garrastazu Medici, de triste memória, o país mandava para o exterior suas melhores cabeças, indesejadas justamente por serem pensantes – e, conseqüentemente, de oposição ao governo.  
 
Mas o país vivia também uma efervescência cultural irrefreável. A música, o teatro e a literatura estavam mais vivos do que nunca, desafiando o emburrecimento que os governos dos generais tentavam impor ao país. Com os grandes jornais sob censura, imposta a partir do AI-5, editado em 1968, começaram a pipocar os veículos da chamada imprensa alternativa, ou nanica, como a batizou o escritor João Antônio. Editados de forma quase artesanal, esses jornais tinham circulação restrita, mas eram dotados de grande agilidade para fazer oposição ao governo. Mantidos sob pesada censura, não raro eram proibidos de circular, mas substituídos por novos títulos da noite para o dia.  
 O jornal alternativo que alcançou maior sucesso no Brasil foi o carioca O Pasquim, que chegou a vender 200 mil exemplares por semana em sua melhor fase. Foi criado por Jaguar, Millor Fernandes, Ziraldo, Paulo Francis, Ivan Lessa e outros que eram ou vieram a se tornar nomes de peso do jornalismo brasileiro – alguns deles amargaram períodos na prisão em conseqüência da linguagem ousada e irreverente do jornal.  

NASCE UMA REVISTA 

 Foi nesse contexto que surgiu Protótipo, com algumas peculiaridades, entre as quais a de nascer numa cidade perdida no interior de Minas, e ainda por cima criada por um grupo de adolescentes, que certamente poderiam ter preferido outras formas de diversão. Como o próprio Ziraldo comentou numa histórica nota n’O Pasquim número 200, revelando sua perplexidade ao receber a revista: "A televisão ainda não conseguiu destruir completamente a província".  
 O primeiro número foi lançado em novembro de 1972, no formato "apostila". Nós escrevemos, discutimos nossos textos, selecionamos os melhores, datilografamos sobre estênceis, desenhamos as ilustrações, sensibilizamos o comércio local para nos patrocinar, conseguimos as resmas de papel em lojas da cidade, rodamos no mimeógrafo a tinta, encadernamos, grampeamos, distribuímos e vendemos. Com entusiasmo cada vez maior, repetimos o feito pelos números seguintes. A revista teve sete edições e durou 5 anos. Foram tempos de aventura e aprendizado, e assim continuamos vivendo.  
  
PIONEIRISMO 

 Hoje, 25 anos depois, ainda nos espantamos ao recordar nossas façanhas. Aquele grupo de adolescentes do interior de Minas conseguiu ser pioneiro de um movimento que alcançou considerável repercussão no Brasil. O escritor Glauco Mattoso, de São Paulo, que nem conhecíamos na época, escreveu, em seu livro O que é poesia marginal, da Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, que Protótipo foi, ao lado da revista O Feto, lançada no Rio, a primeira revista do chamado movimento marginal.  
 O ano de 1972 marcou também o suicídio do poeta Torquato Netto, um dos ícones da literatura e da música desses tempos de sufoco, e o lançamento de Me segura qu’eu vou dar um troço, de Waly Salomão, que então assinava Sailormoon. Um ano antes, os poetas Chacal e Charles haviam lançado no Rio seus primeiros livros mimeografados. Inaugurando uma tendência que tomaria conta dos anos seguintes, esses livrinhos passaram a ser vendidos pelos próprios autores em bares, filas de teatro e cinema e outros eventos e aglomerações. Em Brasília, Nicolas Behr foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional como castigo pelo sucesso de seu Iogurte com farinha 
 A partir de 1972, as revistas literárias explodiram no país. Bel’Contos e Silêncio, primeiro, e mais tarde Inéditos, em Belo Horizonte; Cogumelo Atômico, em Santa Catarina; Pólem e Código, em Salvador; Qorpo Estranho, em São Paulo; Navilouca, Almanaque Biotônico Vitalidade, Ânima e mais tarde Ficção, no Rio; Escrita, em São Paulo; O Saco, em Fortaleza. É impossível enumerar todas.  
Essas publicações faziam parte de movimentos de grande vitalidade que começaram nos anos 70 e duraram até início dos 80, caracterizados por lançamentos de livros, revistas e jornais e eventos marcantes. A Chuva de Poesia, do grupo Poetasia de São Paulo, as Passeatas Poéticas, em São Paulo e Belo Horizonte, exposições e encontros em todo o país... Havia uma epidemia poética nacional.  

A VIDA QUE CONTINUA 

Voltando a Passos: nosso grupo, que se formara em torno da Diretoria da União Passense dos Estudantes Secundários (UPES), que funcionava ali na Praça da Matriz número 7, começou com uns 15 ou 20 em 1972, e depois se reduziu. A maioria de nós deixou a cidade nos dois anos seguintes. Quase todos deixaram a literatura de lado. Mas alguma coisa permaneceu viva, 25 anos depois. 
Comemoramos, este ano, essa vida que continua. Não teria sentido se a literatura não tivesse se enraizado em alguns de nós como uma espécie de combustível vital. Queremos, portanto, olhar daqui para frente, mas refletindo sobre o que ficou para trás.  
 
 
 

 

 
 
 
 
PROTÓTIPO,   
coisa de adolescentes  
em 1972.

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